terça-feira, 19 de junho de 2012

Quem sou eu?





Dando prosseguimento à série de
artigos sobre Bioética, falo agora sobre a identidade humana. 


    
Sobre este tema, muito oportuna é esta frase de um filósofo atual:


    
"Nenhuma época soube tantas e tão diversas coisas do homem como a nossa.
Mas em verdade, nunca se soube menos o que é o homem." (Martin Heidegger).


     E a
frase deste profeta de hoje é fundamental acerca deste assunto:


    
“Santidade, única forma de ser plenamente homem.” (Moysés Azevedo).





     Depois
de vermos os dois primeiros artigos, passamos a saber de quem viemos — de Deus —, e esta
verdade fundamental nos faz valorizar adequadamente nossa vida, a qual
tem valor divino. Numa palavra: conhecemos nossa origem e nosso valor. Agora
podemos meditar sobre quem somos nós, o que nos define, qual a nossa
essência mais profunda, o que nos individualiza.





     1.
Auto-identificações inadequadas:


     Neste
mundo tão marcado pelo afastamento do homem e da mulher em relação a Deus,
vê-se que, cada vez mais, o ser humano não sabe quem ele é. Se, por exemplo,
pararmos uma pessoa num “shopping center” e lhe perguntarmos quem ela é,
poderemos ouvir frases do tipo:


     • “Por
que você quer saber ?”;





     • “Eu
sou fulano de tal” (dando só o nome);


     • “Eu
sou médico, sou especialista em endocrinologia”;


     • “Eu
sou simplesmente alguém”;


     • “Eu
sou um atleta, malho todo dia, tenho 50 de braço!”;


     • “Eu
sou uma mulher, não está vendo ?”





     Estes
são apenas alguns exemplos de respostas a uma pergunta simples, mas profunda:
Qual a sua identidade, a sua essência ? Como você se identifica ?


     Vendo as
respostas acima, podemos perceber que algumas são totalmente inadequadas para
definir alguém; outras não conseguem abranger toda a essência de uma pessoa —
falta muito mais!





     Na
verdade, na cultura de morte em que vivemos, “separado de Deus pelo pecado, o
homem separa-se também dos outros, do criado e de si mesmo, tornando-se incapaz
de ver-se como Deus o vê, de conhecer-se como Deus o conhece.” O ser humano
passa então a identificar-se corporalmente, psiquicamente, mas dificilmente
ontologicamente, ou seja, pelo “ser”, por quem realmente é.





     Passemos
agora a analisar os três processos de auto-identificação, a partir do que nos
ensinam Emmir Nogueira e Silvia Lemos, no clássico Tecendo o Fio de Ouro.





     1.1.
Auto-identificação corporal:


     “Alguns
se auto-identificam a partir da aparência externa, do seu corpo, do seu jeito
de vestir, de falar, de comportar-se. É um processo inadequado de
auto-identificação, intitulado de auto-identificação a nível corporal.


     Evitar
este tipo de auto-identificação não significa, de forma nenhuma, desprezar ou
maltratar o próprio corpo. Significa, sim, auto-identificar-se a partir do
corpo e não a partir de sua identidade como um todo.





     As
pessoas que se auto-identificam a nível corporal dão excessivo valor à
aparência, à beleza física, à juventude, à saúde, à moda, aos comportamentos
sociais, ao prestígio e adequação a um nível social mais elevado que o seu, e
avaliam os outros pelo mesmo padrão. Seu estilo de vida, comportamento e
relacionamentos são pautados por estes valores.





     Ao se
identificarem a nível corporal — o mais superficial dentre os níveis de
auto-identificação, nível típico da adolescência —, correm o risco de sofrerem
sérias deformações em seu processo de auto-identificação adequada e amadurecimento
humano, assim como de perderem o sentido da vida quando seu corpo é atingido
por doenças ou quando envelhecem, a ponto de dizer, como certa atriz, que se
alguém quer conhecer o que é o inferno basta envelhecer.”





     1.2.
Auto-identificação psíquica:


     “O tipo
de auto-identificação mais superficial é, sem dúvida, aquele do nível corporal.
Logo em seguida, vem o que se chama de auto-identificação a nível psíquico.
Refere-se a pessoas que colocam a positividade de seu ser e o sentido de sua
vida naquilo que sabem, que fazem, que podem, que possuem, pelo que produzem ou
realizam.





     Este
tipo de auto-identificação cobra da própria pessoa e dos que convivem com ela
um alto preço, pois, sendo parcial e superficial, escraviza a pessoa ao que ela
valoriza em si, mas que está longe de ser a verdade essencial sobre ela mesma,
que seria a auto-identificação a nível ontológico, isto é, a nível do ser,
nível correspondente à sua verdadeira identidade.





     Todos
conhecemos pessoas que se auto-identificam assim e que acabaram por perder o
sentido de suas vidas quando se viram impossibilitadas de produzir ou possuir,
devido a uma enfermidade ou a um evento de empobrecimento, aposentadoria,
mudança de cidade, [desemprego]. Depressão e suicídio não são raros nestes
casos.”





     1.3.
Auto-identificação corporal, psíquica e ontológica:


     “Em grau
maior ou menor, todos nos auto-identificamos tanto a nível psíquico quanto a
nível corporal e ontológico. Nunca poderemos dizer, portanto, que nos
auto-identificamos somente a um nível.


     A forma
de auto-identificação pode variar, também, de acordo com nossa etapa de vida,
nosso estado físico ou psíquico, os estímulos externos. É natural que um
adolescente auto-identifique-se a nível corporal, por exemplo. No entanto, tal
identificação já seria de preocupar em uma pessoa adulta.





     Ainda
que nos identifiquemos em vários níveis concomitantemente [ao mesmo tempo], há
sempre uma proporcionalidade permanente que nos indicará qual nossa tendência
no que se refere à vivência do processo de auto-identificação e à auto-identidade,
isto é, à vivência de nossa identidade mais profunda e verdadeira.”





     2.
Auto-identificação adequada:


     Mais uma
vez, citamos nossas irmãs Emmir Nogueira e Silvia Lemos:


     “Amedeo
Cencini descreve a auto-identificação a nível ontológico, isto é, auto-identificação
adequada, a nível do ser, como uma contínua tensão entre o já e o não ainda,
termos tantas vezes utilizado na teologia para descrever o estado peregrino do
cristão rumo à perfeição.





     Uma
realista tensão entre o que somos, orientada para o que não somos ainda, mas
que é a vontade de Deus para nós, esta seria a humilde, verdadeira e realista
auto-identificação a nível ontológico. Cencini denomina esta situação de
constante marcha como a tensão entre o eu atual (o que sou agora) e o eu ideal
(o que Deus pensa de mim).


     No livro
"O Corpo, Templo da Beleza", Jo Croissant comenta, acerca do
conhecimento de Deus como premissa [ponto de partida] para nossa adequada
auto-identificação:





     ‘Quanto
mais conhecemos a Deus, melhor compreendemos o que significa ´o homem criado à
sua imagem e à sua semelhança’, melhor aderimos ao que somos, pois é Ele quem
nos dá a nossa identidade: ´Meus amados, desde agora somos filhos de Deus, e o
que seremos ainda não se manifestou. Sabemos que no momento desta manifestação
nós lhe seremos semelhantes, porque o veremos tal como ele é’ (I Jo 3, 2).


     Já:
somos filhos de Deus. Não ainda: o que seremos ainda não se manifestou. A
auto-identidade ideal nos é dada pelo conhecimento de Deus, pela contemplação
de quem Ele é e pelo desejo sincero de fazer a sua vontade para nós. Dele
recebemos nossa identidade, com sua graça aderimos, alegres e confiantes, a
quem somos aos seus olhos. A tensão positiva de caminhar entre o já e o não
ainda, entre o eu atual e o eu ideal será coroada de vitória quando estivermos
diante de Deus e nos virmos semelhantes a Ele porque o contemplaremos tal como
Ele é.





     Esta
tensão salutar é vivida, evidentemente, a nível da identidade de filho de Deus.
Chamado à santidade, vivo o desejo de ser cada vez mais semelhante a Jesus, a
quem amo e conheço e, entretanto, sou forçado a encarar o fato de ainda não ser
semelhante a Ele. É o “ai de mim” de São Paulo: não faço o bem que quero, mas o
mal que não quero! (Rm 7, 15). É seu espinho na carne, que o faz — como a nós —
aprender que, nesta tensão entre o “já” e o “não ainda”, entre o “eu atual” e o
“eu ideal”, entre a auto-identificação equivocada e aquela adequada, basta-nos
a graça de Deus.”





     2.1.
Filiação divina:


     Pelo
nosso Batismo, somos recriados como filhos no Filho. Em Jesus Cristo, o Pai,
que nos havia criado, que viu tristemente o pecado original de nossos primeiros
pais nos afastar dele, proclama alegremente: “Este meu filho estava morto, e
reviveu; tinha se perdido, e foi achado.” (Lc 15, 24).





     “Os
diferentes efeitos do Batismo são significados pelos elementos sensíveis do
rito sacramental. O mergulho na água faz apelo ao simbolismo da morte e da
purificação, mas também da regeneração e da renovação. Os dois efeitos principais
são, pois, a purificação dos pecados e o novo nascimento no Espírito Santo.”


    
Espiritualmente, nascemos de novo, o Pai nos faz ressurgir com Cristo. Somos,
portanto, seus filhos.


     O
Batismo assim imprime um caráter indelével, uma marca inapagável, em nosso ser,
molda nossa identidade mais profunda, mais essencial: somos filhos de Deus.
Isto é algo que jamais passará, que não poderá ser eliminado, apagado,
retirado, mesmo se resolvermos abandonar Deus totalmente. Haja o que houver:
para sempre somos filhos de Deus! Isto é o que nos define mais profundamente,
quem nós somos.





     “O
Batismo não somente purifica de todos os pecados, mas também faz do neófito
[quem acabou de receber o Batismo] “uma criatura nova”, um filho adotivo de
Deus que se tornou “participante da natureza divina”, membro de Cristo e
co-herdeiro com ele, templo do Espírito Santo.”


    
Portanto, se alguém nos perguntar quem nós somos, a primeira resposta que
devemos dar, depois de dizer o nosso nome, com plena certeza, com toda a convicção,
é: sou filho de Deus (ou: sou filha de Deus). Não há em nós algo que nos defina
tão intensamente, tão verdadeiramente como a nossa filiação divina.





     2.2.
Sexualidade:


    
Atualmente há uma enorme confusão nesta dimensão da identidade.


     Muitas
pessoas confundem sexualidade com afetividade, consideram que a primeira está
inserida na última, que não existe uma identidade sexual, mas que há “gênero”,
uma “escolha” que a pessoa poderia fazer. Diz-se que existiria a possibilidade
de “orientar”, de optar pelo gênero. Outros ainda afirmam que há em todo ser
humano uma dimensão masculina e uma feminina, e que todos podem “desenvolver” a
dimensão que escolherem, ou ambas.





     “É fácil
verificar o engano destas teorias diante do que nos ensinam a Palavra e a
Igreja: Deus criou o homem, criou-o à sua imagem; criou-o à imagem de Deus,
criou o homem e a mulher. (Gn 1, 27). Disse a ambos: Frutificai,
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. (Gn 1, 28). O que for diferente
disso não vem de Deus.”


     A minha
sexualidade encontra-se na minha identidade e não nos meus afetos. É, portanto,
algo que Deus imprimiu em mim ao me criar por amor e para o amor.





     A grande
dificuldade que algumas pessoas têm para admitir que não lhes cabe escolher,
definir sua sexualidade, que isto foi algo escolhido por Deus — que é livre e
soberano, que nos criou livremente —, reside no fato dessas pessoas acharem
que, por serem “livres”, têm “poder” para tudo, inclusive na dimensão da
determinação da sexualidade. No fundo, é sempre a velha tentação que privou
nossos primeiros pais da amizade plena com Deus: o ser humano não quer apenas
ter a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, mas quer ter o “poder” de
ditar o que é bem e o que é mal, capacidade esta que pertence somente a Deus.





     Essas
correntes de pensamento consideram que a pessoa é livre quando tem “o direito
de fazer o que quer, do jeito que quer e quando quer”; acham que alguém é livre
quando tem total domínio sobre sua vida, quando é o único senhor de sua vida.
Ora, bem sabemos que essa “liberdade” é falsa, pois não está fundamentada na
responsabilidade, o que gera violência e desamor.


     Sobre
este tema, o Papa Bento XVI, na Vigília de Pentecostes de 2006, disse:


    
“Espontaneamente, penso que a esmagadora maioria dos homens tem o mesmo
conceito de vida do filho pródigo, no Evangelho. Ele pediu a parte de
patrimônio que lhe cabia, e agora sentia-se livre, queria finalmente viver já
sem o peso dos afazeres de casa, queria simplesmente viver. Receber da vida
tudo o que ela pode oferecer. Gozá-la plenamente, viver, só viver, beber na
abundância da vida e nada perder daquilo que de precioso ela pode oferecer. No
final, acabou por se tornar guardião de porcos e chegou mesmo a invejar aqueles
animais tão vazia se tinha tornado esta sua vida, tão inútil! E vã revelava-se
inclusive a sua liberdade. Porventura não acontece também assim nos nossos dias
?





     Quando o
homem quer somente apoderar-se da vida, ela torna-se cada vez mais vazia, mais
pobre; termina-se facilmente por se refugiar na droga, na grande ilusão. E
emerge a dúvida se, no final de contas, viver é verdadeiramente um bem. Não,
deste modo nós não encontramos a vida. A palavra de Jesus sobre a vida em
abundância encontra-se no discurso do Bom Pastor. É uma palavra que se põe num
duplo contexto. Sobre o pastor, Jesus diz-nos que ele entrega a sua vida.
"Ninguém tira a minha vida, mas sou eu que a ofereço livremente" (cf.
Jo 10, 18). A vida só se encontra, quando é doada; ela não pode ser encontrada,
desejando tomar posse dela. É isto que devemos aprender de Cristo; é isto que
nos ensina o Espírito Santo, que é puro dom, que é o doar-se de Deus. Quanto
mais alguém entrega a sua vida pelos outros, pelo próprio bem, tanto mais
copiosamente corre o rio da vida.





Em segundo lugar, o Senhor
diz-nos que a vida desabrocha, quando caminhamos em companhia do Pastor, que
conhece as pastagens, os lugares onde brotam as nascentes da vida. Encontramos
a vida na comunhão com aquele que é a vida em pessoa, na comunhão com o Deus
vivo, uma comunhão em que somos introduzidos pelo Espírito Santo, denominado no
hino das Vésperas como "fons vivus", fonte viva. A pastagem, onde
correm as fontes da vida, é a Palavra de Deus como a encontramos na Escritura,
na fé da Igreja. A pastagem é o próprio Deus que, na comunhão da fé, aprendemos
a conhecer através do poder do Espírito Santo.


     [...]


     O tema
da liberdade já foi mencionado há pouco. Com a partida do filho pródigo estão
vinculados precisamente os temas da vida e da liberdade. Ele deseja a vida e
por isso quer ser totalmente livre. Nesta visão, ser livre significa poder
fazer tudo o que desejo; não ter que aceitar qualquer critério fora e acima de
mim mesmo. Seguir exclusivamente o meu desejo e a minha vontade. Quem vive
assim embater-se-á depressa com o outro que quer viver desta mesma maneira. A
consequência necessária deste conceito egoísta de liberdade é a violência, a
destruição recíproca da liberdade e da vida. Ao contrário, a Sagrada Escritura
une o conceito de liberdade ao de progenitura. São Paulo diz: "Vós não
recebestes um Espírito que vos escraviza e volta a encher-vos de medo; mas
recebestes um Espírito que faz de vós filhos adotivos. É por ele que clamamos:
Abbá, ó Pai!" (Rm 8,15).”





    
Portanto, quem se diz livre por achar que tem “o direito de fazer o que quer,
do jeito que quer e quando quer”, como disse o Papa Bento XVI, “embater-se-á
depressa com o outro que quer viver desta mesma maneira” também. Isto
obviamente gerará ódio e violência. No fim, esta falsa liberdade escravizará o
ser humano.





     Não é
isto o que vemos em tantas famílias, nas quais o pai faz tudo do jeito que
quer, a mãe, também, os filhos vivem fugindo dos pais, fazendo o que querem nas
suas turmas ? E quando se reúnem todos, o que ocorre ? Discussões, brigas,
violência, ausência de diálogo, de aceitação do outro. Numa palavra: desamor! E
tudo isso gera a “vida de morte”, que tantas famílias experimentam, com o
adultério, a separação dos casais, a agressão física, a adicção de drogas,
todas as formas de prostituição, a depressão, o suicídio. Querendo inicialmente
“viver sua liberdade”, cada um escravizou-se e embateu-se, chocou-se com o
outro.





     Sem a
responsabilidade, a liberdade vira escravidão! Sem a verdadeira liberdade de
quem age como filho (ou filha) de Deus, não pode haver amor!


     Para
vivermos nossa identidade sexual (ser homem ou ser mulher), a responsabilidade,
a liberdade e o amor são fundamentais.


     Vejamos
cada fundamento destes e sua relação com a identidade sexual:





     •
Responsabilidade: capacidade de responder. Como pessoa, posso responder ao
chamado que Deus me fez ao me criar homem (ou mulher), vivendo a minha
identidade sexual.


     •
Liberdade: atributo do filho (ou da filha) de Deus. Como filho (ou filha) de
Deus, posso acolher livremente, sem “determinações” do passado, minha
identidade de homem (ou de mulher).


     • Amor:
“Deus é amor” (I Jo 4, 8). Vivendo no Amor, em Deus, vivo como sou, plenamente
homem (ou plenamente mulher).





    
Esclarecedor sobre o tema da identidade sexual é o relato de Octavio Balderas,
professor de Antropologia e Psicologia no Curso de Teologia da Pontifícia
Universidade Salesiana, em Roma , transcrito no livro Tecendo o Fio de Ouro,
páginas 412 e 413, de Emmir Nogueira e Silvia Lemos:


     “No ser
humano, a sexualidade não é acidental, mas constitutiva e determinante. Assim,
uma avaliação correta da sexualidade humana só pode ocorrer à luz da pessoa
total e de seu processo. De uma perspectiva mais completa, pode-se dizer que ‘o
homem [o ser humano], enquanto existente, estende-se e afirma-se em duas formas
concretas, polares e complementares de ser: como masculino e como feminino.





Masculino e feminino são o homem
[o ser humano] em sua afirmação e realização. Não são dois modos contraditórios
de ser homem [humano], mas dois modos de alteridade sexual que se supõem e se
implicam, enquanto manifestam o modo de ser homem [humano]’. A essência humana
é vivida necessariamente como homem e como mulher.


     A
sexualidade é uma dimensão ou qualidade fundamental, que atravessa os níveis
bio-psico-espirituais do ser humano. Esses, assim, configuram-se essencialmente
como masculinidade ou feminilidade.





     A nível
biológico, a identidade sexuada vem expressa não somente a nível orgânico, mas
também a nível de células. (...) Além das expressões genéticas, há ainda as que
se referem ao funcionamento endócrino e nervoso, sem mencionar o cerebral.





     A nível
psicológico, as diferenças sexuais referem-se à percepção da realidade, o modo
de comunicar-se com ela a nível afetivo e as predisposições gerais. A mulher é
preparada para dominar espaços mais estreitos e para o cuidado das pessoas, o
que lhe dá uma sensibilidade mais fina, um conhecimento mais intuitivo e a
busca da convivência por si mesma. A mulher é mais sensitiva. O homem é
preparado para dominar espaços amplos e fazer trabalhos mais pesados, consequentemente
seu pensamento é mais analítico e conceitual (precisa saber como atingir as
metas). O homem é mais voluntarista. Neste contexto, podem-se colocar as normas
culturais que influenciam de diversas maneiras a vivência e a conduta sexual de
cada indivíduo.”





     Podemos,
então, estabelecer alguns pontos essenciais para a compreensão e aceitação da
nossa sexualidade:


    


     • Deus é
plenamente livre;


     • Deus
me criou por amor, para que eu o ame e ame meus irmãos;


     • Deus
me criou livre, e somente sou verdadeiramente livre quando sou responsável;


     • Deus
me criou homem (ou: Deus me criou mulher);


     • A
sexualidade (ser homem ou ser mulher) veio “embutida” na minha identidade, já
está na minha identidade, é também minha identidade, desde a minha criação;





     • Sou
chamado a viver minha sexualidade (ser homem ou ser mulher) de maneira
responsável, na verdadeira liberdade, ordenando-a para o amor.





     Sabemos
que há muitas pessoas, filhas amadas de Deus, que enfrentam desafios em sua
identidade, especificamente na dimensão da sexualidade. Por vezes, esses
desafios são tão grandes que essas pessoas dizem que não os possuem, que são
“felizes sendo assim mesmo”, que “escolheram livremente ser desse modo”, ou que
“o destino levou-as a viver assim”.





     Todavia,
nos acompanhamentos que tivemos com pessoas que ainda não se identificam com a
sexualidade que Deus lhes deu como dom, percebemos, mesmo que às vezes velado,
escondido, o profundo sofrimento que elas carregam em sua alma. Não sofrem
apenas pelas discriminações, mas sobretudo porque vivem não como
verdadeiramente são, ou seja, não vivem sua essência profunda, sua identidade,
mas vivem uma pseudo-identidade.





     Essas
pessoas como que se desviam de quem verdadeiramente são: homem ou mulher; projetam
uma imagem de si para si mesmas e para os outros. Vivem na imagem, na
representação, sempre se forçando para “ser” alguém diferente de quem realmente
são.


     A
Igreja, Mãe que acolhe todos os seus filhos, ensina-nos, no seu
Catecismo, a, sobretudo, amar essas pessoas, a orar por elas, a sermos
seus amigos, a trazê-las para junto do nosso coração, levando-as assim ao
Coração de Deus, Jesus Cristo:





     2358. Um
número não negligenciável de homens e de mulheres apresenta tendências
homossexuais profundamente enraizadas. Esta inclinação objetivamente
desordenada constitui, para a maioria, uma provação. Devem ser acolhidos com
respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de
discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus
em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as
dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição.





     2359. As
pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes de autodomínio,
educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade
desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem se
aproximar, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.





     As
pessoas que não possuem uma adequada auto-identificação quanto à sua
sexualidade podem, ainda, além de contar com a graça de Deus e a ajuda dos
irmãos, iniciar um acompanhamento psicoterapêutico apropriado (com um(a)
psicólogo(a) cristão que veja e aborde o tema da sexualidade como dimensão da
identidade humana, e não como uma “orientação”), o que lhes ajudará no processo
livre de auto-identificação sexual adequada, “porque a Deus nenhuma coisa é
impossível” (Lc 1, 37).





     2.3.
Vocação carismática:





    
“Movimentos e novas Comunidades, expressões providenciais da nova primavera
suscitada pelo Espírito com o Concílio Vaticano II, constituem um anúncio do
poder do amor de Deus que, superando divisões e barreiras de todo o gênero,
renova a face da terra, para construir nela a civilização do amor.” (Servo de Deus
João Paulo II).





     “O
Carisma de uma Fundação (Comunidades Novas, Movimentos Eclesiais, Famílias
Religiosas) é uma graça dada a um fundador e a seus discípulos em favor da
Igreja e da humanidade como auxílio profético de Deus para um tempo histórico particular.





     O
Carisma é manifestado pelo fundador e vivido por ele e por seus discípulos,
ambos criados com a mesma identidade do Carisma. Daí porque um vocacionado
aderirá a um Carisma pelo processo de “identificação”: “Quero viver o que vocês
vivem e da forma como vocês vivem”. Isso sinaliza que reconhece em si mesmo, em
sua própria identidade, a identidade do Carisma que traz em si e é vivido pelos
demais discípulos (membros da comunidade, movimento ou família religiosa).”





     O
Carisma no qual Deus me criou é o meu eu ideal, meu chamado à santidade, ou
seja, à plena felicidade, a ser plenamente quem eu sou. Numa palavra: é a minha
identidade mais profunda!


     Viver o
Carisma que me “inabita” é viver eu mesmo, é ser eu mesmo, é, portanto, ser feliz!





     “Receber
de Deus um Carisma é uma eleição. Para utilizar a imagem da cômoda, poderíamos
dizer que há pessoas que são criadas “sem a gaveta do Carisma”. Isso não as faz
menos dignas ou menos amadas ou menos chamadas à santidade de filhas de Deus.”


    
“Infelizmente, pessoas que não são chamadas a uma vocação particular no sentido
de abraçar o Carisma de um Instituto (comunidade nova, comunidade religiosa),
algumas vezes, consideram-se inferiores às que são chamadas, quase como se
fossem cristãos de segunda categoria.





     Nada
menos exato. Cada um tem seu lugar e sua missão no Corpo de Cristo. O batizado
é chamado a ser um outro Cristo, não no sentido estrito de um Carisma
específico, mas no sentido largo do Evangelho. Ser no mundo outro Cristo é seu
eu ideal, sua identidade, seu chamamento, ao qual deve obedecer com grande
gratidão e amor Àquele que o chama.”





     2.4.
Estado de vida:


     A
expressão do amor a Deus e aos irmãos ocorre mais plenamente na vivência do
estado de vida, o qual consiste em um modo de viver a caridade de Cristo na
Igreja para toda a humanidade.





     Assim,
meu estado de vida é a dimensão da minha identidade que me faz amar como Cristo
ama, expressar esse amor a Deus e aos irmãos.


     É
dimensão da minha identidade porque me identifica, me define, diz quem eu sou:
casado, sacerdote ou celibatário pelo Reino de Deus.





     Há
também a forma de vida de solteiro, que não traz em si a graça de estado, que é
permanente, pois a pessoa solteira pode, por exemplo, em determinado momento,
descobrir que é chamada por Deus ao celibato pelo Reino e, assim, deixar de ser
solteira. Porém, quem é sacerdote, quem vive o estado de vida do sacerdócio, é
sacerdote para sempre.





     Jesus
Cristo foi quem instituiu os três estados de vida:


     • O
celibato consagrado: O Pai imprimiu na identidade humana de Jesus o estado de
vida do celibato, o que fez Jesus doar-se todo, também em seu corpo, em favor
de todos nós, sem mediações, pois ele mesmo é o Mediador entre o Pai e os
homens;





     • O
matrimônio: “Jesus retomou o matrimônio vivido no Antigo Testamento, elevou-o à
caridade, exclusividade e fidelidade em Mateus 19, 1-9, configurou-o como um
sacramento da Nova Aliança nas Bodas de Caná (Jo 2, 1-11) e, por diversas
vezes, utilizou-o como imagem de sua união com a Igreja nas parábolas
referentes às Bodas. [...] Jesus estabeleceu o matrimônio como sacramento,
sinal de sua união com a Igreja e da unidade intratrinitária. Ele mesmo fez-se
esposo que dá a vida pela esposa infiel, conforme haviam anunciado os
profetas.”





     • O
sacerdócio: “Em sua identidade humana de celibatário, do sexo masculino, Filho
de Deus, Jesus acolheu também a identidade e missão de sacerdote. O sacerdócio
não foi vivido por Ele como no Antigo Testamento, inclusive porque não era da
tribo de Levi. Viveu-o ofertando-se a si próprio, uma vez que o Pai não se
agradava do sacrifício de animais. Fez-se a si próprio sacerdote, vítima e
altar. Isto é, ofereceu a si mesmo em seu corpo, que é no altar, o Novo Templo.
Como sacerdote, Jesus viveu, inexorável e inseparavelmente, o celibato e a
masculinidade. Do ponto de vista da identidade humana, não há como separar do
sacerdócio, vivido no corpo [...], a masculinidade e a castidade.”





     Por ser
algo tão sério, que diz respeito à nossa identidade, o estado de vida precisa
ser descoberto, discernido, mediante a oração constante e o acompanhamento de
um(a) irmão(ã) mais experiente na caminhada. É dimensão da identidade. Basta
ser discernido, acolhido, aceito e vivido.





     “Muito
da confusão acerca da esfera da pessoa humana que abriga o estado de vida
advém, talvez, do fato de que um dos estados de vida seja o matrimônio, que
envolve, necessariamente, um nível relacional bastante profundo e carregado de
afeto e apaixonamento por uma pessoa do outro sexo. Só que também o celibato ou
sacerdócio envolvem um nível relacional profundo e também carregado de afeto e
apaixonamento, mas sem o envolvimento do relacionamento sexual.”





     Por fim,
eu e você podemos afirmar nossa identidade. No meu caso: eu sou Álvaro, filho
de Deus, Shalom, casado. Nesta afirmação encontram-se todas as dimensões da
minha identidade:





     •
Sexualidade: Álvaro (nome masculino), sou homem;


     •
Filiação divina: sou filho de Deus, pelo meu Batismo;


     •
Vocação carismática: consagrado na Comunidade Católica Shalom, como Comunidade
de Aliança Externa;


     • Estado
de vida: casado com a Sabryna (consagrada na Comunidade Católica Shalom, como
Comunidade de Aliança Externa).



Leia mais: http://anunciodaverdade.blogspot.com/2010/03/quem-sou-eu.html#ixzz1yEeT9700 

Somos amados e podemos amar!




glikofilusa





“O amor de Cristo nos
constrange!” (2 Cor 4, 7). É esse amor que nos faz ficar de pé e reconhecermos
que nossa meta é o céu. Assim, somos chamados a entregarmos livremente a vida
no serviço aos irmãos, amando o Senhor em cada um. Isso não se dá por uma
teoria, mas de forma muito concreta. Precisamos caminhar na via das virtudes
extraindo força para vencermos o homem velho com seu egoísmo e individualismo.
Só então é possível ser para os outros, testemunha feliz da nossa frutífera
comunhão com Deus. A vida nova é dom de Deus e exige a nossa adesão, cultivo e
perseverança. “Para exaltá-lo redobrai as forças e não vos canseis, pois não
chegareis ao fim” (Eclo 43, 30).





Na vida cristã existe o aspecto
da luta interior tão comum aos místicos, aos que querem fugir das ocasiões para
praticar o mal e o pecado. A luta é necessária e pode trazer benefícios como
diz Amedeo Cencini: “A luta religiosa, no entanto, é caracterizada pelo
encontro e pelo confronto com Deus. (…) é luta sadia em relação ao
desenvolvimento do homem, porque ninguém pode pedir ao homem aquilo que Deus
lhe pede, ou seja, o máximo, a fim de que seja plenamente aquilo que é chamado
a ser; é luta salutar entre as exigências de um Deus que primeiro dá tudo o que
pede depois, e o medo do homem que hesita em se confiar, ou entre o amor
gratuito de Deus e a pretensão ilusória do homem de merecer o amor; luta
benéfica de quem é, de alguma forma, confrontado com a obstinada benevolência
divina, com aquele Deus que fere e depois cura” (1).





Muitas das vezes as nossas
constatações interiores fazem-nos sofrer, sem dúvidas, porque o processo do
autoconhecimento não é fácil assim. O primeiro passo de cura é sempre o
reconhecer e assumir termos tal fragilidade e começarmos um processo de cura,
reconciliação e nova maneira de interpretarmos a situação. Tudo isso deve ser
feito à luz da graça de Deus.





Dentro da sinagoga com Jesus e os
presentes, imagino que tenha sido muito difícil para o homem da mão seca ir até
o meio da sala diante de todos, após ser chamado por Jesus. O homem arriscou
toda confiança em Jesus, atendendo o seu convite e expondo sua mão deficiente
para ser curada. Ele correu o risco de ser ridicularizado, de ser um fracasso e
assim vir a perder a fé como única segurança que tinha na sua vida. O homem da
mão seca  foi curado e uma nova vida começou naquele dia. Nada nesta vida
pode ser vivido sem risco! O amor é exigente! Como disse de maneira tão
profunda o Papa João Paulo II: “O amor torna fecunda a dor e a dor aprofunda o
amor. Quem ama de verdade não recua diante da perspectiva de sofrimento: aceita
a comunhão na dor com a pessoa amada” (2). Isso acontece com Deus, com os
irmãos, com os amigos e com os homens.





Reconhecer-se como dom de Deus
para os que nos querem bem, para os amigos, para os irmãos e para aqueles que,
de certa forma, Deus quer que os sirvamos através da nossa vida e daquilo que
nos foi confiado, é uma necessidade que exige confiança primeiramente em nós
mesmos, pois Deus está conosco. Uma coisa é certa: as graças nas nossas vidas
são sempre maiores que todos os desafios, como diz São Paulo: “Onde abundou o
pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). Reconhecer-se um dom é vital e
indispensável para a vida. Quantas pessoas sofrem o definhamento das virtudes e
da prática do bem, acabrunhados e tristes, porque foram feridos na autoestima,
naquela certeza de que somos amados e que podemos amar, não obstantes nossas
fraquezas.





Temos nossas fragilidades, limites,
quedas e aspectos que precisam crescer, no entanto, não somos somente mazelas;
Deus nos livre da tentação de pensar assim. Somos um dom maravilhoso que saiu
do coração de Deus! Às vezes o erro nos deixa tristes porque nos  vemos
despidos, descobertos nas nossas fragilidades e limitações e, por tantas vezes
não vivê-las em Deus, acabamos projetando nossas fraquezas nos outros. O amor
de Deus é misericórdia, é justiça, é consolo, é plenitude. Somos capazes de
amar gratuitamente, fazer o bem e servir aos outros.





Quando nos encontrarmos
desanimados façamos memória e renovemos o amor de Deus nas nossas vidas. O Seu
amor nos constrange sempre porque é sempre uma grande novidade. Este amor nos é
primeiramente renovado mediante à Sua Palavra de Salvação. Tão belas são as
palavras do profeta Jeremias: “Ao encontrar tuas palavras, eu as devorava. Tua
palavra tornou-se meu gozo, e alegria para o meu coração. Teu nome foi
proclamado sobre mim” (Jr 15, 16). Mais na frente um outro expresso exatamente
o que acontece conosco quando estamos feridos, cansados ou mesmo na tentação de
desistir da luta: “Quando eu digo, Senhor, não quero mais tocar no assunto, não
falarei mais no seu nome, então a tua Palavra se transforma num fogo que me
devora por dentro, não consigo contê-lo, sou inflamado e renovado” (Jr 20, 9).





Confiemos-nos diariamente à
Virgem Maria, Mãe e Mestra do Amor. Nossa Senhora é o caminho mais seguro até o
coração de Cristo, pois ela, mais do que ninguém, soube viver tão fecundamente
suas alegrias e suas dores sem perder a esperança. Ela é também a Mulher da
Palavra, pois guardou em seu coração todos os desígnios do Senhor. Toda a sua
vida foi uma oferta de amor, doação, saída de si mesmo para servir aos outros.
Ensina-nos, Mãezinha, a vivermos nesta certeza existencial de que somos amados
e podemos amar.





Notas do Texto:


1- Amedeo Cencini. Quando Deus
chama, p. 28-29, São Paulo, Paulinas, 2004.

2- Sua Santidade, Papa João Paulo II. Homilia por ocasião da canonização de
Edith Stein, outubro de 1998.





Antonio Marcos




Consagrado na Comunidade de Vida Shalom

Maturidade humana e formação religiosa









Introdução 



O presente texto
elabora-se basicamente sobre um capítulo de “Os sentimentos do Filho” sob a
modéstia crítica de um jovem que viveu durante seis anos o processo de formação
religiosa e que não se arrepende de um só minuto desta duradoura e mais
profunda relação que teve até hoje. Onde descobriu ou ao menos ainda procura
descobrir seu eu na revisão de sua história e na conquista da sua maturidade.



Amedeo Cencini, no 10º capítulo do seu livro “Os sentimentos do filho. Caminho
formativo na vida consagrada”, fala breve e claramente sobre a Maturidade
Humana, na formação da vida religiosa. Inicia ele propondo um Feed Back da caminhada
de cada um como o escopo de, neste exercício, rever e reesignificar valores da
vida em prol do amadurecimento e da correção das atitudes através do
aprendizado com o passado, levando sempre o indivíduo “a uma nova percepção de
si”.




Esta nova percepção, que deveria resultar num homem novo, como fala Paulo,
está, no processo formativo, diretamente relacionado à dimensão humana do
formando e que deve estar sempre presente à compreensão do formador. Querer
fazer de um homem um santo desconsiderando sua intrínseca humanidade é no
mínimo bobagem. Daí a necessidade de se resgatar a história do “vocacionado
(a)”. 




Conforme Cencini, esta retomada da própria história deveria fazer com que “a
própria vida torne-se como uma contínua descoberta do sentido da presença e da
ação de Deus nela. E é exatamente dessas descobertas que emerge uma certa
maneira de conceber a maturidade da própria humanidade” (CENCINI, 2002 p. 141).
Nesta perspectiva, o autor traça quatro pontos ou etapas em que se identifica a
ação madura do homem:



1 – “Da sinceridade à verdade”: onde “a sinceridade é subjetiva”. Ser sincero
é, segundo o autor, ter a capacidade de saber o que sente e o que é através da
sua história. Mas a sinceridade nem sempre está junto á realidade, pois trata
apenas do que cada um pensa de si mesmo. Já “a verdade é objetiva”, é ir a
fundo na “raiz” do que observamos como peculiaridades da nossa história, sejam
elas positivas ou negativas. Exemplificando a grosso modo, sinceridade é
reconhecer dependência afetiva. Verdade é descobrir, pela análise da nossa
história o que acarretou esta dependência? Falta ou excesso de atenção? Etc...
“É a correta identificação da raiz que permite intervir de maneira adequada,
isto é, sobre a própria raiz e não apenas sobre os comportamentos” (CENCINI,
2002 p. 143). É de suma importância que a identificação disto tudo seja o mais
cedo possível para que, o quanto antes o formando possa redirecionar suas
atitudes.



2 – “Força na fraqueza”: neste ponto Amedeo toca numa “ferida” constante em
muitos processos formativos, a idéia de maturidade como inabalabilidade. A
maturidade considerada como um escudo inabalável, forte e perene. Ferida essa
sempre remexida tanto por formandos como por formadores. O autor fala que
“existem jovens que atravessaram todas as fases formativas sem a ajuda de
ninguém ou sem permitir que os ajudasse decifrar sua própria inconsistência
(...) e que, em muitos casos, depois da profissão perpétua e da ordenação, a
crise explodiu pontualmente ou até com mais freqüência, em outros casos
“explodiu” a mediocridade”. (CENCINI, 2002 p. 144). 




A valorização dos momentos de fraqueza nos ensinam a conviver com diversas
situações de fraqueza dos outros e nos ensinam a humildade do rezar; “A
sensação sofrida de vulnerabilidade e impotência coloca quem crê de joelhos
diante de Deus, faz com que busque a ajuda e a força que não encontra dentro de
si (...)” (CENCINI, 2002 p. 145). 




3 – “Liberdade de projetar-se”: “Foi verdadeira consigo mesma e. como Natanael,
poderá ver e realizar coisas ainda maiores” esta última citação de Jô, 1,
47-50, com a qual o autor encerra este ponto da liberdade de projetar-se,
resume todo o sentido desta etapa formativa. E quão maravilhoso se todos os
formadores e formandos tivesses simultaneamente a consciência, a capacidade e a
liberdade do projetar-se para realizar coisas ainda maiores. Permitir ao
formando inovar com maturidade é permitir vinho novo em odres novos, é lançar
redes em águas mais profundas. 




4 – “Entrega da vida”: não é em vão que Cencini coloca a entrega da vida como a
última etapa da maturidade humana. Cristo vence a morte pela entrega da vida.
Não é necessário lembrar quanto é penoso entregar algo que amamos, que
conquistamos sofridamente. Mas também ao é necessário lembrar quão sublime
quando damos justamente o que amamos para alguém que amamos. Este ápice da
maturidade humana é também o ápice da realização humana. “A pessoa madura não é
alguém que basta a si mesmo, fechado em sua auto-suficiência. Ela reconhece que
precisa dos outros, confia em quem está perto a ponto de estar disposta a
colocar a sua vida nas mãoes de um Outro e a se deixar limitar até pela
fraqueza dos demais” (CENCINI, 2002 p. 149). 




Confiança é a palavra chave deste ponto da maturidade humana. saber entregar-se
não ingenuamente, mas como doação de si ao outro. Maturidade humana é este
saber relacionar-se no face - a - face, muitas vezes confundido com o aceitar
tudo o que outro quer, ou então considerar-se auto-suficiente a ponto de quere
dizer ao outro tudo o que ele deve fazer, resultando num moralismo vazio e
fútil. “É o mistério da maturidade humana: reconhecer aquela verdade objetiva e
também histórica que revela a pessoa a si mesma, a fraqueza que dá força , a
liberdade que torna serva, a confiança que a abre para o relacionamento e para
a experiência do amor, chegando à entrega da própria vida.” (CENCINI, 2002 p.
150).



Considerações e Ponderações.




Gostaríamos humildemente, de fazer um pequeno adendo à colocação do autor no
terceiro parágrafo do subtítulo 2 – “Força na fraqueza. Complementar que, além
de jovens como os que ele cita, há também “formadores” que no seu papel de
auxiliares e imagem, (não de perfeição como alguns aparentam ou são vistos por
certos formandos) mas de maturidade, passam todas as fases formativas querendo
tratar a rédeas curtas e cabrestos os formandos impedindo-lhes da autonomia
necessária para identificar aquele primeiro ponto anterior, a sinceridade, que
como o próprio autor diz , é subjetiva. Ou então não ajudam o jovem a fazer essa
leitura da própria história, dando-lhes não liberdade, mas acesso à
libertinagem. Dois extremos que não dependem do formando, mas dos formadores.
Consciência esta que o autor resgata ao dizer: “quem nunca experimentou um
certo desespero, nunca aprenderá a rezar e não chegará a conhecer a esperança
que nasce no coração exatamente quando se tocou o fundo do poço” (CENCINI, 2002
p. 146). 




Não raras são às vezes em que o formando não consegue fazer a caminhada porque
faltam estes nortes da formação: bons formadores. Não se trata de lançar
responsabilidades apenas para os formadores, bem porque as pessoas envolvidas
na formação são em sua maioria jovens ou mesmo adultos com um certo grau de
instrução já adquirido e uma certa responsabilidade e consciência das suas
decisões e ações implicitamente tidas como “dado”, pelos formadores. A não
conciliação destes pólos de responsabilidade resulta inevitavelmente na
“explosão” da mediocridade, como acentua o autor.



Nos parece que encontrar a força na fraqueza, significa justamente a
consciência da limitação humana e do processo de maturidade como uma constante
na vida do indivíduo antes, durante e após os votos à vida consagrada. Ou
mesmo, e o que muitas vezes é esquecido no processo de formação, a maturidade
de quem decide não mais viver sua espiritualidade como consagrado(a), mas como
leigo nas diversas esferas do mundo da vida onde habita o espírito de Deus e a
dimensão humana merece ainda maior atenção. Não se fica santo para Deus, mas
para o povo!



Neste ponto toca-se novamente a ferida que perturba muitos formandos e mesmo já
“consagrados”. A explosão da mediocridade é inevitável quando se erra no
momento formativo. Há pessoas que no período de formação fazem o caminho sério
de doação á vida religiosa e decidem, como já dissemos, não mais se consagrar
como religioso (a) e são, na maioria das vezes vistos pelos que ficam, como
medíocres e que na realidade é bem ao contrário. Para muitos a vida espiritual,
religiosa é uma fuga e não uma busca. Foge-se do desemprego, foge-se dos
problemas familiares, afetivos, psíquicos, do medo de rever sua própria
história. a vida religiosa é, até certo ponto, um espaço de fuga para muitos.
Mas cedo ou tarde vem a explosão. Nos deparamos então, (sem pretensões de
julgamento ou moralismos), com ex-seminaristas, ex-noviças, ex-padres que
passam dois, três, quatro, sete, 12 ou mais anos de sua vida fugindo de si
mesmos atrás de uma “carapuça espiritual” e de repente voltam ao estado de
vegetação existencial. Foram anos de formação que se postos em páginas de papel
resultaria num típico “Breviário de decomposição” .



Estes ex-religiosos que contrariam em gênero número e grau a ordem do Rei
Melquisedec “Tu serás ternamente sacerdote”, encontram-se no mais completo
estado de mediocridade, levando suas vidinhas passivas e monótonas.Tantas
coisas que deveriam ter aprendido, conquistado psíquica, espiritual e
intelectualmente, passaram despercebidas e sua contribuição para o mundo é um
nada, um vazio quando não muito, um estorvo para os outros dada a sua
frustração constante e perpétua insatisfação, sempre culpando alguém pela sua
incapacidade e imaturidade.



Há exemplos para ambas as situações. Pessoas que entraram para o processo
formativo, consideraram sua dimensão humana, fizeram uma leitura séria e
sincera da sua história, buscaram ajuda para serem verdadeiras consigo mesmas e
souberam, nos seus momentos de fraquezas, encontrar forças e amadurecer humana
e espiritualmente para vida fosse ela consagrada ou leiga. São pessoas que hoje
vivem como líderes, como bons religiosos, bons políticos, bons profissionais,
enfim, são bons naquilo que fazem porque atingiram a maturidade humana. 




Mas há também, pessoas que entraram para o processo formativo, não raras vezes
junto com as anteriores, passaram pelos mesmos formadores e colegas, e que hoje
são padres ou religiosa de gabinete, rezam para que sua paróquia não caia, mas
não são capazes de pregar uma tábua no teto; ou então pais de família incapazes
de auxiliar na educação dos filhos e na manutenção da família pois não foram
capazes de fundamentar a si próprios. Enfim, são antagonismos gerados por esta
etapa na vida de muitos e que repercute direta ou indiretamente sobre a vida e
a maturidade de muitos outros.




Referente ao que o autor fala no momento da “Liberdade de projetar-se, é
importante lembrar que, para muitos formadores principalmente, liberdade e
inovação, sair da rotina, da mesmice é coisa inaceitável dentro do processo
formativo. Parece que o “cabresto formativo’ é instrumento indispensável.
Quantos talentos são enterrados neste momento? Quantos jovens frustrados por
sentirem-se presos? Quantas coisas ainda maiores poderiam ser realizadas e não
são? Dê a um jovem em processo formativo, as asas da liberdade quando este já
possui uma boa dose de maturidade e veja o espírito de Deus agir. Isso pode até
soar como profecia, mas é pura experiência não de um, mas de centenas de casos
vividos durante anos de formação. E só dirá o contrário o formador que não
permite a liberdade de projetar-se ou o formando que ainda não possui a mínima
maturidade”.



Acreditamos que Amedeo Cencini, neste breve capítulo sobre maturidade humana,
resgata o cerne da formação espiritual. A pessoa que entra para o processo
formativo com o intuito da consagração à vida religiosa, muitas vezes é
considerado pelos formadores como que um ser, “retirado” do mundo do pecado e
da imperfeição, e que deve como que ficar de “molho” nas doutrinas,
psicologismos, moralismos e teologismos da formação seminarística, quase sempre
manipulados e direcionados para uma lavagem cerebral . E que, depois deste
processo não de formação, mas de manipulação, é devolvido ao mundo dos rés
mortais com a sublime missão de salva-los para o reino de Deus. 




Isso não são exageros nem força de expressão. Basta caminhar com mais afinco
pelos meandros eclesiais e verificar os processos de formação. Isso também não
é regra ou generalização. Basta caminhar pelo mundo dos homens e ver os muitos
exemplos de ação social e humana, virtuosamente embebidos de profunda e
verdadeira espiritualidade. 




A experiência vivida na formação religiosa à vida consagrada, inegavelmente é
positiva quando o indivíduo busca sua maturidade; é sincero e verdadeiro
consigo; aprende a ser forte nas suas fraquezas, principalmente quando precisa
agir sozinho seja nas atividades como consagrado ou como leigo quando, mais que
nunca, deve rever sua história e encontrar forças para superar uma série de
dificuldades às quais não estava esperando, geralmente de ordem afetiva e/ou
econômica; quando sabe ser livre e ousa projetar-se para ser sempre mais, para
realizar coisas ainda maiores e, principalmente quando consegue entregar sua
vida à vida do outro...quando sé é um homem maduro. 




Bibliografia





CENCINI, Amedeo. Os sentimentos do Filho: caminho formativo na vida consagrada.
Trad. Giuseppe Bertazzo. São Paulo: Paulinas, 2002. p. 139 –150.





NOTAS



Bacharel em filosofia, professor de filosofia e ensino religioso;
especializando em direitos humanos e “pós-seminarista” escalabriniano. ( o
termo pós-seminarista, é usado aqui num sentido de que não se deixou de lado,
não se saiu fora da formação mas de que se fez uma escolha de não consagrar a
vida como religioso, porém, buscando sempre a maturidade humana através do
trabalho de retomada do próprio passado e levar a uma nova percepção de si.)

É certo que, lido por pessoas envolvidas na formação religiosa ou não, sejam
elas formandos, formadores, ex-seminaristas ou pós-seminaristas, como ele mesmo
prefere ser considerado (embora consciente de que não facilmente será
compreendido!), o texto soe de modo diverso. Este ou aquele formador ou
psicólogo identificará este ou aquele “distúrbio”, um outro formador concordará
ou negará, bem como os formandos pretéritos, presentes ou futuros terão sua
noção elementar. Bom, desde que as análises sejam sinceras e verdadeiras, no
sentido dos termos que usa Amedeo Cencini...



O título “Breviário de decomposição” foi aqui escrito a partir do título do
livro de Jaime Cioram, que escreve uma pquena obra com este título cuja leitura
foi proibida por um dos formadores deste que vos escreve, alegando que a obra
iria fazer com que o formando “visse a teologia e a filosofia com os pés no
chão”. Ao qual a resposta do formando foi imediata: “Vós quereis alienados aqui
dentro (no seminário)? Index librorum em pleno século XXI? Não comigo...” Bom
talvez isso ajude a entender um pouco porque não sou mais seminarista.




Não me desculpem se consideram o termo “lavagem cerebral” pesado, mas é o termo
que quero usar. Pois em muitas situações se percebe claramente a manipulação
feita sobre certas teorias, ensinamentos que muito contribuem para a formação
humana do indivíduo, mas que nem sempre vão ao total acordo com as concepções
das entidades religiosas, as quais aplicam então apenas o que lhes é de
interesse, deixando capenga a formação como um todo. Muito embora se tenha que
considerar que ás vezes, uma certa revisão nas diversas teorias sobre a
formação humana realmente precise de uma avaliação crítica e detalhada
(inclusive  esta) 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

(Participação Especial da Cantora Joanna) Padre Cristian Shanka-r Deus te quer águia e não galinha




Carta de um pai para o filho. (Recomendamos assistir com os seus 













Deus te quer águia e não galinha (Participação Especial da Cantora Joanna)

















7 sinais que o namoro não vai dar certo









10 conselhos para manter um relacionamento - Pe. Chrystian 











As 13 ameaças do casamento - O que pode acabar com um casamento em 18 meses!











Padre ensina a namorar !













Cuidado com os ACORDOS que você faz, pois a Deus ninguém engana! (texto base: At 5,1-11)









As 7 atitudes que levam ao fracasso dos pais. (No fim tem uma benção para os pais)














Momento de oração e cura interior - Adoração ao Santíssimo Sacramento













Pe. Chrystian Shankar no Fantástico























Foi-se o tempo, Graças a Deus!









Lembro-me do tempo em que quem queria ser santo tinha de ser padre ou freira.
Não havia opção de santidade fora essa. E – vantagem das vantagens! – este
estado de vida era garantia quase total de céu. Era por volta de 1964 e eu
conversava muito com a freira responsável pela livraria do meu colégio. 





Como
não tinha dinheiro para comprar as revistas sobre a vida dos santos – e como
ela estava interessada em me “fisgar” para ser lourdina - permitia-se uma
pequena infração: passava-me, disfarçadamente, uma vez por mês, uma revista em
quadrinhos que contava a vida do santo do mês, desde que me comprometesse em
ler sem amassar as folhas e devolver no dia seguinte.




Revista oculta no fichário, lá ia eu, com ar de inocente e me sentindo
privilegiada, aprender o que, para a época, significava ser santo: sofrer,
sofrer muito, muito mesmo e deixar tudo para seguir Jesus como padre ou freira.
Não havia outra maneira de seguir Jesus. Tinha-se, sobretudo, que não se casar. 





Os exemplos de pessoas casadas que se haviam tornado santos resumiam-se, que eu
me recorde, a Santa Rita e Santa Beatriz, que se haviam casado obrigadas pelos
pais, pois desejavam a virgindade que, na época, era o sinônimo mais corrente
para castidade e pureza. Ora, estas duas santas tiveram de sofrer horrores, com
seus maridos adúlteros, grosseiros, beberrões, incrédulos, blasfemos. Santa
Rita vê morrer os dois únicos filhos e também o marido. Fica, assim, “livre” do
que lhe estorva a vocação e consegue, através de um milagre, ingressar no
convento, onde, depois de muito sofrer torna-se santa.




Beatriz, uma vez morto o marido que lhe impedia a caminhada para a santidade,
deixa com a mãe uma filha doente mental e, para fundar sua congregação, passa
sobre o corpo da mãe que se havia deitado na soleira da porta para impedir sua
saída. Seu outro sofrimento, além do marido e do casamento, era ser
extremamente bela e perseguida durante toda a vida pela inveja à sua beleza. No
rol das belas figurava também Santa Cecília que, embora desejosa de permanecer
virgem, viu-se obrigada a casar-se e tornou-se santa graças ao martírio.






Hoje em dia, as mesmas histórias, das mesmas santas, não seriam contadas da
mesma forma. Mas naquela época, era assim que eram narradas. Até o Vaticano II,
findo em 1965, o que vigorava, além da famosa missa em latim, era: leigos não
têm nenhum papel na Igreja, os padres são superiores aos religiosos, que são
superiores às religiosas, que são superiores aos virgens consagrados que são
superiores – com grandes vantagens – aos leigos, especialmente os casados. Na
mentalidade daquela época, quem se casava podia até lucrar um naco de céu, mas
graças ao mérito dos que entregavam sua vida a Deus como padre ou freira,
religioso ou celibatário. 





Era graças a eles que os leigos, mormente os casados,
podiam pensar em ter alguma chance, não de serem santos canonizados, mas de se
salvarem e passarem a eternidade em algum cantinho esquecido do céu, reservado
aos de segunda categoria.






Esta mentalidade era alimentada por outro absurdo: a crença de que quem se
casava fazia-o por ser por demais fraco, por não resistir aos apelos do sexo,
por não ter têmpera bastante para o sacrifício e renúncia à atividade sexual
por amor a Deus. Era esta a interpretação que se dava a I Cor 7,8: 





“Aos
solteiros e às viúvas digo-lhes que é melhor ficar como eu. Porém, se não podem
conter-se, casem-se: e melhor casar do que abrasar-se.” Naquela época, como já
disse, virgindade e castidade eram a mesma coisa. Só era casto quem era virgem.
Quem era “fraco” e casava-se não tinha como permanece casto, uma vez que o ato
conjugal era sinônimo de falta de castidade e o amor humano era visto como um
“roubo” ao amor exclusivo a Deus, um perigoso divisor de corações. A mediação
humana do amor de Deus e a Deus não era sequer considerada na época.





Segundo esta visão, aquele que permanecia virgem vivia o sexto mandamento, os
casados o infringiam. Os virgens eram, portanto, superiores em santidade aos
casados, eram mais perfeitos do ponto de vista moral, menos susceptíveis ao
pecado, eram “puros”, esposos de Jesus e não de homens. A Ele amavam com amor
superior, sem divisões, sem intermediações do amor humano.



Hoje em dia, para os mais esclarecidos, tal mentalidade parece piada. No
entanto, escondido atrás de alguma porta, ainda se pode encontrar, 40 anos
depois do Concílio e duas décadas após a Familiaris Consortio, quem pense assim
ou traga, ainda, o ranço desta visão que não corresponde, de forma nenhuma ao
que hoje pensa a Igreja.




Era desse jeito que eu pensava a cada mês quando ia devolver minhas revistas
não dobradas à freira da livraria, com o coração e a cabeça cheios de sonhos de
heroísmo, martírio e santidade. Queria ser santa, ir para a África, continente
para cujas missões meu grupo de “cruzadinhas” fazia sacrifício e angariava
esmolas. Sonhava, de preferência, morrer por lá, cozida em algum caldeirão dos
pigmeus incréus, porque sofrer longamente não era comigo. 





Meu coração
adolescente preferia o heroísmo grandioso àquele escondido, de cada dia. O
casamento se me afigurava como um mal necessário à preservação da espécie e que
traz, inexoravelmente, grande sofrimento, após o qual, se tivesse sorte,
ficaria livre para me tornar freira e, assim, santa. Você não imagina, assim,
minha tremenda decepção quando, um belo dia, minha amiga freira,
interessadíssima em minha vocação para lourdina, me disse, com clareza: “Maria
Emmir, porque você não começa a rezar pelo rapaz com quem se casará?”




Horror! Frio na barriga! Decepção! Havia sido recusada ainda na fila para uma
vaga no time da santidade! Era tímida demais para perguntar o porquê da recusa
(sim, já fui tímida um dia!) e, convencida de que eu era uma cristã de segunda
categoria, comecei a rezar, resignada, um terço por dia pelo rapaz com quem me
casaria. Era amiga de Nossa Senhora e ia à missa sempre que podia e todos os
domingos, mas havia enterrado meu sonho. Não tinha mais como ser santa, pois
era destinada ao time dos fracos, dos que se casam, dos que são impuros, dos
que não têm acesso aos altares.



Foi com esta mentalidade que comecei minha amizade com o jovem Moysés, comendo,
resignada, as migalhas da mesa dos filhos, aquelas que sobram para os
cachorrinhos. Uma vez que ele e os que podiam ainda ser santos abraçassem seu
ideal, eu pularia fora. Teria cumprido minha missão de casada “impura”: ajudar
os “puros”, os “virgens” a alcançar a santidade. 





Quase cai para trás quando, ao
delinear-se pouco a pouco a comunidade, ouvi do Moysés que haveria lugar para
os casais, para as famílias, para os casados. Enlouqueci durante várias semanas
ao ler, no que hoje chamamos “Escritos” que o amor esponsal era para todas as
idades, para ambos os sexos, para todos os estados de vida. Também para os
casados!!!



Lembro-me de ter perguntado várias vezes ao Moysés, se ele tinha certeza do que
dizia, se, realmente, a oração profunda e o amor esponsal eram para todos.
Estávamos, então, a vinte anos do Concílio Vaticano II e eu, com minha
mentalidade pré-conciliar, ainda me chocava em pensar que “os meninos do
Shalom” poderiam namorar e até casar-se e continuarem a desejar ser santos.
Ainda me sentia um extra-terrestre, com a terrível sensação de vir a estragar,
com minha presença de casada, a obra que Deus queria fazer. 





O pior é que não
faltavam homilias que reiterassem minha mentalidade tridentina, a ponto de, um
dia, ter de retirar-me da missa a tentar conter o choro diante das acusações
por minha leviandade em participar de uma comunidade. Dei trabalho ao Espírito
Santo e ao Moysés que me tentavam convencer do contrário: a santidade, a oração
profunda, o amor esponsal eram para todos, absolutamente todos, inclusive os
casados.



Hoje, plenamente convencida, sou alimentada pela exegese mais moderna de I Cor
7,7. O casamento é um carisma. O celibato é outro carisma: “desejaria que todos
fossem como eu; só que cada um recebe de Deus o seu carisma, alguns este, e
outros aquele”, diz a tradução mais atualizada. Sou iluminada pelo Magistério,
que considera casto aquele que vive a virgindade consagrada, mas também aquele
que vive o matrimônio segundo o Evangelho e a Igreja.





Sou sustentada pela vocação que
abre o amor esponsal a Jesus Cristo não somente aos celibatários mas também, e
em igual medida, aos casados. Sou alimentada por São João da Cruz que define a
santidade como vivência da caridade e unidade com a Trindade por participação
no amor. 





Sou consolada pela amizade e partilha acerca da vida espiritual e do
amor esponsal com senhoras e senhores casados da parte de João da Cruz e de
Teresa de Jesus. Sou surpreendentemente inspirada por Raniero Cantalamessa que,
com base nos padres da Igreja vê no ato conjugal e vivencia familiar uma
expressão da vida de amor intratinitária e de seu constante e eterno movimento
de kénosis e koinonia, de dar-se e acolher o outro e assim ser um com ele.






Hoje, suspiro, aliviada, ao ler os escritos de minha vocação sobre sermos,
todos, almas esposas de Jesus e ao ouvir de santos vivos como Chiara Lubich que
Deus virginiza pelo amor os que vivem castamente seu matrimônio e os que
direcionam castamente sua vida para a caridade. Alegro-me com Teresa de Calcutá
que aponta o amor à família como meio incomparável de santificação, fazendo eco
a João Paulo II, que redefine santidade não como pureza moral ou
impecabilidade, mas como ilimitada e sempre renovada confiança na misericórdia
de Deus.






Foi-se o tempo, graças a Deus, em que, para ser santo era preciso, sobretudo,
não casar-se. Hoje, lembro-me da pequena freira da livraria e vejo nela uma
profetiza não só para o discernimento de minha vocação pessoal como para toda
uma geração de cristãos leigos, chamados a viver o sacerdócio comum do seu
Batismo independente de seu estado de vida. 





A esta irmãzinha, de cujo nome não
me lembro, vestida de beije com uma longa faixa azul à cintura, filha de Nossa
Senhora de Lourdes, devo muito mais do que posso expressar. Devo minha
felicidade conjugal e o abraçar, de certa forma profeticamente, a vocação que
abriu a todos os estados de vida, rasgadamente, preto no branco, a oração
profunda e o amor esponsal a nosso Senhor Jesus Cristo.




Sim, foi-se o tempo em que casar significava renunciar a nada mais nada menos
do que a santidade. Podemos nos casar, se este for nosso carisma, e, abraçando
nosso chamado, sermos santos pela misericórdia de Deus, pela vivência da
caridade, da fé e da esperança, pela correspondência ao amor esponsal de Jesus
Cristo, nascido em uma família humana. Foi-se o tempo, graças a Deus






Emmir Nogueira

domingo, 17 de junho de 2012

A Oração na Vocação Shalom

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“A intimidade com Deus é o âmago
da (nossa) vida comunitária” (ECCSh, 53). No interior da nossa Comunidade,
recebemos o chamado a “desfrutar desta intimidade com Ele, em profundidade e
intensidade” (ECCSh, 55). Devemos estar atentos para compreender, mesmo com
nossas limitações, o verdadeiro e simples conceito do que é oração, do que é
ser um homem íntimo de Deus.




“Oração é um tratado de amizade”, define Santa Teresa de Ávila, uma grande
mística, mestra da oração e Doutora da Igreja. Orar profundamente é ser amigo
daquele que nos concedeu o sopro da vida.

No Antigo Testamento, Moisés destacou-se como o homem que falava com Deus, que
era amigo de Deus. No Novo Testamento, esse título encontra no apóstolo João
sua melhor identidade. Ele, o discípulo amado pelo Amor, “humanizou”, trouxe à
nossa realidade cotidiana esse trato de amizade com o Redentor.




João acolheu, de forma única, o amor de Cristo. Não por entendimentos precisos
da divindade do Messias, mas por ter em Jesus um amigo, e amá-lo de forma
livre, sincera, sem necessidade de teorias ou explicações.

É interessante notar que a todos os apóstolos Jesus concedeu uma missão
específica: a Pedro, “o pescador de homens”, foram confiadas as chaves da
Igreja; a Paulo, o convertido perseguidor, foi confiada a missão de evangelizar
diversos povos; até o traidor, Judas Iscariotes, teve um serviço, um “múnus”
próprio: era responsável pelas finanças dos doze... A João, o discípulo amado,
foi confiada a intimidade do Coração do Senhor. Ele reclinava a cabeça sobre o
peito dele e ouvia as batidas daquele “sacro” coração.




Desde o início, teve o desejo de conhecer a “morada do mestre” (cf. Jo
1,38-39). Buscou estabelecer com Ele uma relação de intimidade e tornou-se
amigo do Senhor; amigo que pôde “compartilhar” vários, e particularmente de
dois momentos especialíssimos na vida do Verbo de Deus: a Transfiguração e a
Crucificação.




Jesus mostrou-se a João nas duas faces de sua glória: no Tabor, o amigo
contemplou a realeza e a divindade do Filho do Altíssimo; no Gólgota, viu
aquele coração tão conhecido, tão familiar ser traspassado; viu o nascimento da
Igreja, viu a plenitude do amor que nos redime e recebeu em sua casa a própria
mãe de Jesus! A quem, senão ao mais íntimo dos amigos, confiaria a própria
mãe...




“À medida que perseverarmos e progredirmos na intimidade com Deus, sua presença
será constante em todas as nossas atividades, por mais exigentes que sejam”
(ECCSh, 56). Com certeza, João passou por inúmeras dificuldades durante o
desenrolar da sua vida dedicada ao cumprimento da Vontade de Deus,
principalmente depois da Ascensão de Jesus, quando não mais podia ter a presença
física dele constantemente perto de si.





Porém, uma vez amigo do Senhor,
essa presença, no Espírito, existiria para sempre.




Determinemo-nos, portanto, a obter essa amizade com Deus; tanto nos alegres
momentos do Tabor, como nos dolorosos tempos do Gólgota, livres dos nossos
conceitos e preconceitos, de programações e esquemas. Façamos da nossa oração
um encontro de duas verdades: de nossa parte, a fraca tentativa de viver a
fidelidade ao Senhor; da parte dele, a verdade de amor e misericórdia. Se o
Senhor, ao nos criar, fez-nos suas criaturas prediletas; pela Encarnação e vida
humana, Ele quer nos tornar mais e mais unidos à sua Pessoa, pelo serviço, pela
doação, pela oração... pela amizade!!!





Escola de Formação Shalom

Amadeo Cencini - A graça da Formação Permanente
















Não é suficiente, que o eleito siga uma regra e seja um fiel observante, que não transgrida a castidade e leia a Palavra todos os dias, que cumpra pontualmente o seu dever e esteja a serviço das pessoas, que não crie problemas aos seus superiores e não seja demais de esquerda ou de direita (mas se mostre "politicamente correto"), que seja sóbrio e não tenha um estilo de vida burguês...,



mas é indispensável que ele ame aquilo que é e que é chamado a ser, que seja cada vez mais fascinado por sua vocação, que desenvolva atrações que sigam cada vez mais no sentido daquilo que Cristo amou e pelo que se apaixonou, que goste, afinal, de ser consagrado, de ser todo de Deus e todo do seu povo; e sobretudo que tenha aprendido ou esteja aprendendo o gosto das bem-aventuranças.



Uma pessoa não pode pensar em se esforçar por toda a vida em fazer aquilo que é considerado seu dever e ser fiel as suas promessas, pois não é possível "obrigar-se", a cada dia, a fazer alguma coisa, por mais nobre que seja (cedo ou tarde o equilíbrio ira se romper ate acabar em esgotamento nervoso), e porque quem faz o bem por obrigação, no fim das contas o faz mal.



De qualquer forma, a virtude nada tem a ver com uma atitude psicológica forçada. O homem virtuoso, como lembra São Tomás, é uma pessoa que experimentou o gosto e o prazer da ação virtuosa ou a liberdade interior de fazer algo que o atrai cada vez mais. Justamente por isso, Agostinho reza: "Faze-nos amar, Senhor, aquilo que mandas”.



O segredo de uma vida exitosa, diz Dostoievski, é empenhar-se em agir por aquilo que se ama e amar aquilo pelo que a pessoa se empenha. E Teresa de Lisieux, escrevendo a irmã Leonia, uma irmã que sempre se sentia um tanto insatisfeita, diz que "a única felicidade da terra consiste em aplicar-se a achar deliciosa a parte que Jesus nos confia" ( Teresa de Lisieux, Opere complete, Citta del Vaticano, 1997, carta 257.8, de 17 de julho de 1897, p. 596). A santidade, como já acena no começo, não significa a paz sonolenta e um tanto obtusa dos sentidos, quase uma espécie de eutanásia do espírito, mas - ao contrario implica a plena vitalidade, a exuberância do espírito, a loucura do amor; e uma paixão convertida (Lavelle), mas que da paixão conservou o ardor e a fantasia.



Os santos, com efeito, são pessoas não privadas de desejos, mas que aprenderam a desejar os desejos de Cristo, sobretudo em qualidade, mas também em santidade. Desejar os desejos e, no fundo, viver da sua mesma vida ressuscitada, quase recebê-la em dom, para viver como ressuscitados, como pães ázimos, pessoas profundamente renovadas naquilo que é mais distintivo do homem, como os seus desejos.



E, no entanto, quantos crentes e discípulos, padres e religiosos, são profunda e talvez inconscientemente infelizes; trabalhadores honestos, que aspiram a perfeição, mas infelizes, porque não amam aquilo que fazem; fazem o bem, mas o fazem porque são obrigados, ou porque Lhes cabe, ou... Por encomenda.



Não podem dize-lo, mas para eles a vida bela é a outra, a daqueles que podem se permitir certos tipos de gratificações, sobretudo afetivas, e outras mais. Vivem ainda uma vida velha, e quanto mais aumentam em anos, mais se fecham sobre si mesmos, pois ainda desejam a maneira do homem velho e nunca ressuscitado.



Seus desejos nunca passaram pelo tríduo pascal, a fim de se tornarem novos. Praticam a renuncia em sentido único, isto é, de um modo frustrante e unicamente mortificante, sem fazer nascer desejos novos. Sentem-se tratados injustamente pela vida ou por um obscuro e sinistro destino; e não o admitem nem para si mesmos, mas se pudessem voltar atrás...



Portanto, não obstante o empenho ou a fadiga são pessoas falidas, porque não conseguiram gozar daquilo que são (talvez nem mesmo tenham considerado isso possível, ou nem tentaram faze-lo); aliás, chegaram até a pensar, de fato, que o mal e mais belo do que o bem, ou no mínimo mais divertido e gratificante...”



Fonte:http://amigosdoshalom-sa.blogspot.com.br/2009/05/amadeo-cencini-graca-da-formacao.html