Introdução
O presente texto
elabora-se basicamente sobre um capítulo de “Os sentimentos do Filho” sob a
modéstia crítica de um jovem que viveu durante seis anos o processo de formação
religiosa e que não se arrepende de um só minuto desta duradoura e mais
profunda relação que teve até hoje. Onde descobriu ou ao menos ainda procura
descobrir seu eu na revisão de sua história e na conquista da sua maturidade.
Amedeo Cencini, no 10º capítulo do seu livro “Os sentimentos do filho. Caminho
formativo na vida consagrada”, fala breve e claramente sobre a Maturidade
Humana, na formação da vida religiosa. Inicia ele propondo um Feed Back da caminhada
de cada um como o escopo de, neste exercício, rever e reesignificar valores da
vida em prol do amadurecimento e da correção das atitudes através do
aprendizado com o passado, levando sempre o indivíduo “a uma nova percepção de
si”.
Esta nova percepção, que deveria resultar num homem novo, como fala Paulo,
está, no processo formativo, diretamente relacionado à dimensão humana do
formando e que deve estar sempre presente à compreensão do formador. Querer
fazer de um homem um santo desconsiderando sua intrínseca humanidade é no
mínimo bobagem. Daí a necessidade de se resgatar a história do “vocacionado
(a)”.
Conforme Cencini, esta retomada da própria história deveria fazer com que “a
própria vida torne-se como uma contínua descoberta do sentido da presença e da
ação de Deus nela. E é exatamente dessas descobertas que emerge uma certa
maneira de conceber a maturidade da própria humanidade” (CENCINI, 2002 p. 141).
Nesta perspectiva, o autor traça quatro pontos ou etapas em que se identifica a
ação madura do homem:
1 – “Da sinceridade à verdade”: onde “a sinceridade é subjetiva”. Ser sincero
é, segundo o autor, ter a capacidade de saber o que sente e o que é através da
sua história. Mas a sinceridade nem sempre está junto á realidade, pois trata
apenas do que cada um pensa de si mesmo. Já “a verdade é objetiva”, é ir a
fundo na “raiz” do que observamos como peculiaridades da nossa história, sejam
elas positivas ou negativas. Exemplificando a grosso modo, sinceridade é
reconhecer dependência afetiva. Verdade é descobrir, pela análise da nossa
história o que acarretou esta dependência? Falta ou excesso de atenção? Etc...
“É a correta identificação da raiz que permite intervir de maneira adequada,
isto é, sobre a própria raiz e não apenas sobre os comportamentos” (CENCINI,
2002 p. 143). É de suma importância que a identificação disto tudo seja o mais
cedo possível para que, o quanto antes o formando possa redirecionar suas
atitudes.
2 – “Força na fraqueza”: neste ponto Amedeo toca numa “ferida” constante em
muitos processos formativos, a idéia de maturidade como inabalabilidade. A
maturidade considerada como um escudo inabalável, forte e perene. Ferida essa
sempre remexida tanto por formandos como por formadores. O autor fala que
“existem jovens que atravessaram todas as fases formativas sem a ajuda de
ninguém ou sem permitir que os ajudasse decifrar sua própria inconsistência
(...) e que, em muitos casos, depois da profissão perpétua e da ordenação, a
crise explodiu pontualmente ou até com mais freqüência, em outros casos
“explodiu” a mediocridade”. (CENCINI, 2002 p. 144).
A valorização dos momentos de fraqueza nos ensinam a conviver com diversas
situações de fraqueza dos outros e nos ensinam a humildade do rezar; “A
sensação sofrida de vulnerabilidade e impotência coloca quem crê de joelhos
diante de Deus, faz com que busque a ajuda e a força que não encontra dentro de
si (...)” (CENCINI, 2002 p. 145).
3 – “Liberdade de projetar-se”: “Foi verdadeira consigo mesma e. como Natanael,
poderá ver e realizar coisas ainda maiores” esta última citação de Jô, 1,
47-50, com a qual o autor encerra este ponto da liberdade de projetar-se,
resume todo o sentido desta etapa formativa. E quão maravilhoso se todos os
formadores e formandos tivesses simultaneamente a consciência, a capacidade e a
liberdade do projetar-se para realizar coisas ainda maiores. Permitir ao
formando inovar com maturidade é permitir vinho novo em odres novos, é lançar
redes em águas mais profundas.
4 – “Entrega da vida”: não é em vão que Cencini coloca a entrega da vida como a
última etapa da maturidade humana. Cristo vence a morte pela entrega da vida.
Não é necessário lembrar quanto é penoso entregar algo que amamos, que
conquistamos sofridamente. Mas também ao é necessário lembrar quão sublime
quando damos justamente o que amamos para alguém que amamos. Este ápice da
maturidade humana é também o ápice da realização humana. “A pessoa madura não é
alguém que basta a si mesmo, fechado em sua auto-suficiência. Ela reconhece que
precisa dos outros, confia em quem está perto a ponto de estar disposta a
colocar a sua vida nas mãoes de um Outro e a se deixar limitar até pela
fraqueza dos demais” (CENCINI, 2002 p. 149).
Confiança é a palavra chave deste ponto da maturidade humana. saber entregar-se
não ingenuamente, mas como doação de si ao outro. Maturidade humana é este
saber relacionar-se no face - a - face, muitas vezes confundido com o aceitar
tudo o que outro quer, ou então considerar-se auto-suficiente a ponto de quere
dizer ao outro tudo o que ele deve fazer, resultando num moralismo vazio e
fútil. “É o mistério da maturidade humana: reconhecer aquela verdade objetiva e
também histórica que revela a pessoa a si mesma, a fraqueza que dá força , a
liberdade que torna serva, a confiança que a abre para o relacionamento e para
a experiência do amor, chegando à entrega da própria vida.” (CENCINI, 2002 p.
150).
Considerações e Ponderações.
Gostaríamos humildemente, de fazer um pequeno adendo à colocação do autor no
terceiro parágrafo do subtítulo 2 – “Força na fraqueza. Complementar que, além
de jovens como os que ele cita, há também “formadores” que no seu papel de
auxiliares e imagem, (não de perfeição como alguns aparentam ou são vistos por
certos formandos) mas de maturidade, passam todas as fases formativas querendo
tratar a rédeas curtas e cabrestos os formandos impedindo-lhes da autonomia
necessária para identificar aquele primeiro ponto anterior, a sinceridade, que
como o próprio autor diz , é subjetiva. Ou então não ajudam o jovem a fazer essa
leitura da própria história, dando-lhes não liberdade, mas acesso à
libertinagem. Dois extremos que não dependem do formando, mas dos formadores.
Consciência esta que o autor resgata ao dizer: “quem nunca experimentou um
certo desespero, nunca aprenderá a rezar e não chegará a conhecer a esperança
que nasce no coração exatamente quando se tocou o fundo do poço” (CENCINI, 2002
p. 146).
Não raras são às vezes em que o formando não consegue fazer a caminhada porque
faltam estes nortes da formação: bons formadores. Não se trata de lançar
responsabilidades apenas para os formadores, bem porque as pessoas envolvidas
na formação são em sua maioria jovens ou mesmo adultos com um certo grau de
instrução já adquirido e uma certa responsabilidade e consciência das suas
decisões e ações implicitamente tidas como “dado”, pelos formadores. A não
conciliação destes pólos de responsabilidade resulta inevitavelmente na
“explosão” da mediocridade, como acentua o autor.
Nos parece que encontrar a força na fraqueza, significa justamente a
consciência da limitação humana e do processo de maturidade como uma constante
na vida do indivíduo antes, durante e após os votos à vida consagrada. Ou
mesmo, e o que muitas vezes é esquecido no processo de formação, a maturidade
de quem decide não mais viver sua espiritualidade como consagrado(a), mas como
leigo nas diversas esferas do mundo da vida onde habita o espírito de Deus e a
dimensão humana merece ainda maior atenção. Não se fica santo para Deus, mas
para o povo!
Neste ponto toca-se novamente a ferida que perturba muitos formandos e mesmo já
“consagrados”. A explosão da mediocridade é inevitável quando se erra no
momento formativo. Há pessoas que no período de formação fazem o caminho sério
de doação á vida religiosa e decidem, como já dissemos, não mais se consagrar
como religioso (a) e são, na maioria das vezes vistos pelos que ficam, como
medíocres e que na realidade é bem ao contrário. Para muitos a vida espiritual,
religiosa é uma fuga e não uma busca. Foge-se do desemprego, foge-se dos
problemas familiares, afetivos, psíquicos, do medo de rever sua própria
história. a vida religiosa é, até certo ponto, um espaço de fuga para muitos.
Mas cedo ou tarde vem a explosão. Nos deparamos então, (sem pretensões de
julgamento ou moralismos), com ex-seminaristas, ex-noviças, ex-padres que
passam dois, três, quatro, sete, 12 ou mais anos de sua vida fugindo de si
mesmos atrás de uma “carapuça espiritual” e de repente voltam ao estado de
vegetação existencial. Foram anos de formação que se postos em páginas de papel
resultaria num típico “Breviário de decomposição” .
Estes ex-religiosos que contrariam em gênero número e grau a ordem do Rei
Melquisedec “Tu serás ternamente sacerdote”, encontram-se no mais completo
estado de mediocridade, levando suas vidinhas passivas e monótonas.Tantas
coisas que deveriam ter aprendido, conquistado psíquica, espiritual e
intelectualmente, passaram despercebidas e sua contribuição para o mundo é um
nada, um vazio quando não muito, um estorvo para os outros dada a sua
frustração constante e perpétua insatisfação, sempre culpando alguém pela sua
incapacidade e imaturidade.
Há exemplos para ambas as situações. Pessoas que entraram para o processo
formativo, consideraram sua dimensão humana, fizeram uma leitura séria e
sincera da sua história, buscaram ajuda para serem verdadeiras consigo mesmas e
souberam, nos seus momentos de fraquezas, encontrar forças e amadurecer humana
e espiritualmente para vida fosse ela consagrada ou leiga. São pessoas que hoje
vivem como líderes, como bons religiosos, bons políticos, bons profissionais,
enfim, são bons naquilo que fazem porque atingiram a maturidade humana.
Mas há também, pessoas que entraram para o processo formativo, não raras vezes
junto com as anteriores, passaram pelos mesmos formadores e colegas, e que hoje
são padres ou religiosa de gabinete, rezam para que sua paróquia não caia, mas
não são capazes de pregar uma tábua no teto; ou então pais de família incapazes
de auxiliar na educação dos filhos e na manutenção da família pois não foram
capazes de fundamentar a si próprios. Enfim, são antagonismos gerados por esta
etapa na vida de muitos e que repercute direta ou indiretamente sobre a vida e
a maturidade de muitos outros.
Referente ao que o autor fala no momento da “Liberdade de projetar-se, é
importante lembrar que, para muitos formadores principalmente, liberdade e
inovação, sair da rotina, da mesmice é coisa inaceitável dentro do processo
formativo. Parece que o “cabresto formativo’ é instrumento indispensável.
Quantos talentos são enterrados neste momento? Quantos jovens frustrados por
sentirem-se presos? Quantas coisas ainda maiores poderiam ser realizadas e não
são? Dê a um jovem em processo formativo, as asas da liberdade quando este já
possui uma boa dose de maturidade e veja o espírito de Deus agir. Isso pode até
soar como profecia, mas é pura experiência não de um, mas de centenas de casos
vividos durante anos de formação. E só dirá o contrário o formador que não
permite a liberdade de projetar-se ou o formando que ainda não possui a mínima
maturidade”.
Acreditamos que Amedeo Cencini, neste breve capítulo sobre maturidade humana,
resgata o cerne da formação espiritual. A pessoa que entra para o processo
formativo com o intuito da consagração à vida religiosa, muitas vezes é
considerado pelos formadores como que um ser, “retirado” do mundo do pecado e
da imperfeição, e que deve como que ficar de “molho” nas doutrinas,
psicologismos, moralismos e teologismos da formação seminarística, quase sempre
manipulados e direcionados para uma lavagem cerebral . E que, depois deste
processo não de formação, mas de manipulação, é devolvido ao mundo dos rés
mortais com a sublime missão de salva-los para o reino de Deus.
Isso não são exageros nem força de expressão. Basta caminhar com mais afinco
pelos meandros eclesiais e verificar os processos de formação. Isso também não
é regra ou generalização. Basta caminhar pelo mundo dos homens e ver os muitos
exemplos de ação social e humana, virtuosamente embebidos de profunda e
verdadeira espiritualidade.
A experiência vivida na formação religiosa à vida consagrada, inegavelmente é
positiva quando o indivíduo busca sua maturidade; é sincero e verdadeiro
consigo; aprende a ser forte nas suas fraquezas, principalmente quando precisa
agir sozinho seja nas atividades como consagrado ou como leigo quando, mais que
nunca, deve rever sua história e encontrar forças para superar uma série de
dificuldades às quais não estava esperando, geralmente de ordem afetiva e/ou
econômica; quando sabe ser livre e ousa projetar-se para ser sempre mais, para
realizar coisas ainda maiores e, principalmente quando consegue entregar sua
vida à vida do outro...quando sé é um homem maduro.
Bibliografia
CENCINI, Amedeo. Os sentimentos do Filho: caminho formativo na vida consagrada.
Trad. Giuseppe Bertazzo. São Paulo: Paulinas, 2002. p. 139 –150.
NOTAS
Bacharel em filosofia, professor de filosofia e ensino religioso;
especializando em direitos humanos e “pós-seminarista” escalabriniano. ( o
termo pós-seminarista, é usado aqui num sentido de que não se deixou de lado,
não se saiu fora da formação mas de que se fez uma escolha de não consagrar a
vida como religioso, porém, buscando sempre a maturidade humana através do
trabalho de retomada do próprio passado e levar a uma nova percepção de si.)
É certo que, lido por pessoas envolvidas na formação religiosa ou não, sejam
elas formandos, formadores, ex-seminaristas ou pós-seminaristas, como ele mesmo
prefere ser considerado (embora consciente de que não facilmente será
compreendido!), o texto soe de modo diverso. Este ou aquele formador ou
psicólogo identificará este ou aquele “distúrbio”, um outro formador concordará
ou negará, bem como os formandos pretéritos, presentes ou futuros terão sua
noção elementar. Bom, desde que as análises sejam sinceras e verdadeiras, no
sentido dos termos que usa Amedeo Cencini...
O título “Breviário de decomposição” foi aqui escrito a partir do título do
livro de Jaime Cioram, que escreve uma pquena obra com este título cuja leitura
foi proibida por um dos formadores deste que vos escreve, alegando que a obra
iria fazer com que o formando “visse a teologia e a filosofia com os pés no
chão”. Ao qual a resposta do formando foi imediata: “Vós quereis alienados aqui
dentro (no seminário)? Index librorum em pleno século XXI? Não comigo...” Bom
talvez isso ajude a entender um pouco porque não sou mais seminarista.
Não me desculpem se consideram o termo “lavagem cerebral” pesado, mas é o termo
que quero usar. Pois em muitas situações se percebe claramente a manipulação
feita sobre certas teorias, ensinamentos que muito contribuem para a formação
humana do indivíduo, mas que nem sempre vão ao total acordo com as concepções
das entidades religiosas, as quais aplicam então apenas o que lhes é de
interesse, deixando capenga a formação como um todo. Muito embora se tenha que
considerar que ás vezes, uma certa revisão nas diversas teorias sobre a
formação humana realmente precise de uma avaliação crítica e detalhada
(inclusive esta)
Fonte:Sidinei Cruz Sobrinho http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=30958&cat=Artigos&vinda=S
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